Artesãs contam sua história com retalhos, agulha e linha


Publicado há 9 anos, 4 meses

Paula Lanza -  Jornalista e Comunicadora Popular da ASAMinas / Instituto Pauline Reichstul

Símbolos da vida rural no Vale do Jequitinhonha, as casinhas de pau-a-pique, a taboa, a luz do lampião, a fumaça do fogão a lenha, o rio, a ponte, os pássaros e os pescadores são elementos recorrentes no trabalho de artesãs da cidade mineira de Almenara, localizada a mais de 700 km de Belo Horizonte. Juntas elas formam a Associação das Mulheres Criativas de Almenara. Desde sua fundação, há 11 anos, o grupo mantém o mesmo objetivo: gerar renda para famílias carentes e preservar a cultura regional. 

Pelo menos uma vez por semana, cerca de 20 mulheres se reúnem para costurarem artigos diversos, como panos de prato, capas de almofada, aventais, colchas, porta-talheres, porta-celulares, porta-garrafas, colchonetes, vestidos infantis, jogos de banheiro e de toalhas. Entre as técnicas utilizadas pra ornar os produtos de artesanato estão o bordado, vagonite, ponto cruz, patchwork e quilting 



Uma determinação para a continuidade do projeto foi a de valorizar a cultura do Vale do Jequitinhonha, seja por meio de palavras ou do artesanato em si. "Toda vez que participamos de alguma feira, as pessoas pedem pra gente contar a história do Vale, falar sobre a nossa realidade. E através de nosso produto, mostramos a riqueza da região e o potencial do povo daqui. Contamos nossas histórias com retalhos, agulha e linha", relata a atual presidente da associação, Marinha Costa de Sousa. 

Nos outros dias, além dessas 20 e poucas associadas, mulheres adultas e adolescentes interessadas em aprender as técnicas ou mesmo com vontade de participar de uma atividade diferente são acolhidas calorosamente. Essa atitude foi herdada das irmãs franciscanas, as criadoras da associação e da casa em que funciona o projeto, o Centro Pastoral Padre Valdir.  
Marinha, Zena e Eurides: as mais antigas da associação

"Trabalhamos com o espírito de sempre ajudar as pessoas. Se chega até nós uma mulher que saiu do serviço por motivo de doença, ou se está em casa nervosa e depressiva, nós temos a obrigação de recebê-la de braços abertos, confortá-la, ensiná-la as técnicas, até que fique boa. Se uma criança está dando trabalho na escola, temos a obrigação de recebê-la e a deixar trabalhar com o que sentir vontade, soltando a criatividade. As adolescentes em conflito com a lei também já passaram por aqui. É essa a nossa obrigação! Trabalhar pra nós e pra comunidade!", explica a presidente. 

Um exemplo de sucesso do projeto é a experiência de dona Eurides Ribeiro dos Reis. Essa senhora cheia de energia e bondade já passou por diversos períodos em que quase perdeu a esperança, incluindo o falecimento precoce de sua mãe e a responsabilidade de cuidar de seus nove irmãos, o abandono da carreira de professora por causa disso, e os problemas de saúde que a deixaram por longos períodos no hospital.   

Com conhecimentos de costura aperfeiçoados desde os 12 anos de idade, ela logo entrou para a associação já como monitora. "Sempre recebia convites para participar, mas como estava sempre doente, não conseguia começar. Hoje, isso aqui é a minha casa, e as colegas, a minha companhia quando meus netinhos estão na escola", declara a artesã, que tem os dias preenchidos pela alegria de Vitória e Murilo, de 12 e 10 anos, que moram com ela. Assim, além de prover renda para o sustento e a criação dos netos, a atividade também serve para encher o guarda-roupa deles com peças feitas pela vovó coruja.  
Eurides e a estampa de Taboa
Histórico de responsabilidade social 
O Centro Pastoral Padre Valdir abriga ainda uma horta comunitária e a Associação das Crianças e Adolescentes Aprendizes da Arte de Almenara (Criaarte) e, na época de sua inauguração, contava com uma lavanderia comunitária e uma creche. O centro foi construído pelas irmãs franciscanas após a grande enchente, em 1989, para acolher as pessoas desabrigadas, fornecer alimento e facilitar a vida das lavadeiras, que muitas vezes iam para o rio bem cedo e só retornavam no final da tarde. 


"Ficaram muitas pessoas jogadas na rua, as casas de pau a pique cobertas de capim e de lama... Era uma pobreza muito grande. As mães iam para os rios lavar as roupas da família e das casas para as quais trabalhavam, e os filhos ficavam soltos, jogados, de casa em casa... Os homens trabalhavam na roça, às vezes iam pra São Paulo, e as mulheres ficavam aqui sozinhas, com as crianças e os maridos no mundo", recorda Marinha.  

Nesse contexto surgiu a necessidade de criar a Associação Comunitária das Mulheres Criativas de Almenara. O objetivo foi juntar essas mulheres, que tinham conhecimentos variados e promover a troca de ideias e experiências. "Umas bordavam, outras desenhavam... Cada uma contribuía com o conhecimento que tinha e as freiras com a matéria-prima: as linhas, os tecidos... ". 

A artesã, que integra a associação desde o início, também trabalhava na horta comunitária e na creche, frequentada por suas cinco filhas. Enquanto o parceiro ganhava o sustento da casa em uma lavoura de banana, próxima a Almenara, Marinha começou a aprender o novo ofício, que se transformou em sua principal atividade e fonte de renda. 

Artesanato como profissão 
Zena
Assim como dona Eurides e Marinha, que trabalhavam desde cedo na roça, realizando trabalho pesado e exaustivo, muitas mulheres também foram beneficiadas pelo projeto e hoje são talentosas costureiras. Outras deixaram de se ocupar somente com a manutenção da casa para se tornarem artesãs. É o caso de Zenailda Maria Alves Lima, a Zena, como é conhecida. "Eu nasci na roça e quando casei vim pra cá. Só ficava em casa cuidando de menino, cozinhando e fazendo faxina", relata. Zena entrou para a associação logo no início, sem saber nada de costura. Segundo Marinha, hoje ela é "braço forte" ali dentro. "Comecei devagarinho, com crochê, pontinhos, depois evolui para o patchwork, o quilting... No início eu morria de medo de pegar na máquina!", relembra aos risos.  

De acordo com as integrantes, essa mudança fortaleceu a presença da mulher em casa, na contribuição com a renda; a presença delas na sociedade, fazendo com que sobrasse tempo para que participassem mais da comunidade, sem perder a identidade; e foi um antídoto para levantar a autoestima dessas mulheres. "Nós fomos descobrindo os outros potenciais que tínhamos!", afirma Marinha. 

Entrada do atelier das Mulheres Criativas
"Nem precisa ganhar muito dinheiro. Só a felicidade que temos aqui justifica todas as coisas. Quando estamos todas reunidas parece passarinhos no pé de fruta. A associação fortalece nosso círculo, nossa união. Uma das fundadoras mesmo trazia o filho recém-nascido. Ele ficava aqui num cantinho enquanto a gente trabalhava. Ele foi criado por nós e hoje nos ajuda a desenhar, as fazer as coisas. Os filhos criados aqui hoje nos auxiliam com ideias, desenhos... Meu neto de 14 anos já foi na feira, ficava orgulhoso em ajudar, ornamentar o estande. É muito bonito isso, ensinar aos pequenos que só trabalhar pra ganhar muito dinheiro não traz felicidade. Coisas simples podem valer muito mais, como ajudar alguém", acrescenta.


Em breve, os artigos de artesanato produzidos por elas estarão disponíveis também no novo mercado municipal da Almenara. O aconchegante atelier das Mulheres Criativas continuará funcionando no centro pastoral. 

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