Rompendo o silêncio para construir um novo Semiárido


Publicado há 12 anos, 6 meses

Evento teve como objetivo construir o plano anual de convivência com o Semiárido de Minas Gerais

Myrlene Pereira* e Priscila Souza** - comunicadoras populares da ASA

Quase 100 pessoas de oito microrregiões do Norte e do Vale do Jequitinhonha, entre técnicos das entidades parceiras e gestoras e agricultores atendidos e articuladores da ASA Minas, participaram do VIII Encontro Estadual da ASA Minas, na cidade de Felisburgo, entre os dias 26 e 27 de agosto. O objetivo do evento foi debater a atual conjuntura nacional e seu impacto no Semiárido, além de avaliar a caminhada da ASA e levantar elementos para construir o Plano de Ação Anual para Convivência com o Semiárido.

A coordenadora da ASA, Valquíria Smith Lima, trouxe a reflexão de que historicamente o povo brasileiro viveu uma ditadura do silêncio, onde as pessoas têm dificuldade de exercer o direito de falar. “O Encontro Estadual da ASA vem propiciar o olhar e o falar sobre os trabalhos da Articulação” disse ela durante a abertura do mesmo.

Depois de uma discussão em grupos, a plenária avaliou que o consumismo e o materialismo da sociedade atual dificultam a soberania alimentar, aliado ao clima de impunidade e corrupção que se tem sentido nos últimos tempos. Uma alternativa contra esse cenário seria estimular um olhar crítico e mobilizador das comunidades. Samuel Silva, técnico da Cáritas Regional Minas Gerais, mostrou como o dinheiro público tem sido aplicado massivamente em investimentos privados, enquanto bens públicos como educação e saúde estão sucateados por falta de investimento.

P1MC e P1+2 - A plenária também apontou que as ações da ASA têm conseguido mobilizar as comunidades por onde tem passado, apesar da pressão pelo cumprimento das metas. Para vislumbrar o atual cenário destas ações, técnicos e beneficiários apresentaram números e suas experiências com os programas P1MC e P1+2, que demonstram a transformação social e nutricional através das águas de beber e produzir.

Foram quase 15 mil famílias atendidas pelos programas da ASA Minas até hoje e foi constatado, a partir da avaliação dos programas que, para além do acesso à água, a ASA tem levado muito mais às famílias, incentivando o acesso à terra, a soberania alimentar e a democracia no Semiárido.

Anair Maria de Brito Ferreira, da comunidade da Baixa do Barreiro, do município de Porteirinha, é uma das beneficiárias do P1+2. Ela nos conta que “antes bebia água da cacimba. O córrego de onde tirava a água agora já secou e se não fosse a ASA já tinha ido embora do campo”.

Foram apresentados também resultados do projeto Cisternas nas Escolas, que traz novas perspectivas de introdução da educação do campo através da água nesses espaços.

O Programa Guarda-Chuva, executado pela ASA Minas em parceria com o governo estadual, também foi falado no encontro. Esta ação possibilita o acesso à água de qualidade em municípios que, apesar de terem sua necessidade comprovada, estão fora do Semiárido legal.

Educação do campo, EPS, sementes crioulas, desertificação e mudanças climáticas, gênero, agroecologia, comunicação, juventude e acesso à água e à terra, foram alguns dos temas apontados como importantes e diretamente ligados à efetivação do desenvolvimento sustentável do povo.

Os participantes do VIII Encontro Estadual da ASA Minas saíram de Felisburgo com o compromisso de sanar as dificuldades e propagar os avanços dos trabalhos da ASA, dando continuidade e fortalecendo a convivência com o Semiárido. A resposta poderá ser vista no próximo Encontro Nacional da ASA, que será realizado em julho de 2012, quando o Semiárido mineiro receberá o Semiárido brasileiro.

Um momento místico de luta

Mística foi um dos pontos altos do evento - A mística esteve presente do início ao fim deste encontro. A abertura do evento foi marcada pela representação das asas que levam a soberania aos nossos povos. Neste momento, cada um refletiu sobre que pena quer ser nesta asa. Mortos do massacre do Assentamento Terra Prometida e da comunidade quilombola Gurutuba e sua luta pelo direito à terra foram lembrados durante uma mística de tirar o fôlego. O teatro foi o ponto alto do encontro. Estudantes beneficiados pelo Cisterna nas Escolas apresentaram o resultado da educação contextualizada a partir da leitura do Semiárido. Outra questão também em foco foi o difícil acesso à comunicação e o desafio de realizá-la eficazmente, colocado pelas comunicadoras/es.


No dia 28, um dia após o encerramento da programação oficial do evento, houve um momento considerado mágico e bastante esperado por todos: a XV Romaria das Águas e da Terra, que aconteceu na cidade de Almenara e reuniu cerca de 15 mil pessoas, entre elas os participantes do VIII Encontro Estadual da ASA Minas. A religião que antes diferenciava e afastava, foi usada para unir os povos em direção à construção de um novo mundo. A ASA, por possuir esse mesmo propósito, participou deste evento de luta e mobilização social por um mundo mais fraterno e justo.

Todos marcharam pelas “Lutas Populares a Serviço da Vida no Campo”, entre orações e palavras de ordem, sendo orientados a abrirem os olhos para a sociedade em que estamos vivendo que, diferentemente da pregação de Jesus Cristo, está cada vez mais concentradora e individualista, renegando ao projeto cristão de fraternidade. As palavras que mais ecoaram foram: “Se o campo não planta, a cidade não janta!”

Milhares de pessoas dos movimentos populares e da sociedade civil emocionadas cantaram o hino da fraternidade deste ano: “Nossa mãe terra, Senhor, geme de noite e de dia, será de parto essa dor ou simplesmente agonia”, e concluíam “vai depender só de nós”.

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