Mulheres e meio ambiente – da inferiorização, à violência, à construção de equidade e sustentabilidade[1]
Maria Sueli Rodrigues de Sousa[2]
A categoria mãe é a que mais frequentemente é utilizada para fazer a relação mulher e natureza no âmbito de uma cultura que se expressa em idéias e ações violentas nas relações de gênero e de degradação ambiental, seja no uso e abuso para produzir crescimento da economia, seja como poder Estatal que se move numa irracionalmente que ignora possibilidades e limites das condições ambientais, seja na relação cotidiana que considera a natureza como o atraso aonde ainda não chegou o progresso, seja nos atos e idéias de inferiorização das mulheres.
A forma como a natureza é usada e abusada dela tudo retirando e nada a ela retornando faz uma correlação com o que se pensa de mãe nesse contexto: aquela que tudo dá: proteção, cuidado, alimento, higiene, e nada a ela retorna, ou seja, há um assemelhado no que se pensa sobre mãe-natureza e mãe-humana, mulher e natureza ou gênero e meio ambiente.
É possível perceber que a discussão gênero e meio ambiente no âmbito da reflexão sobre a hierarquização nas relações de poder e da importância de modificar esse padrão de relações como forma de pensar sustentabilidade nas relações sociais e ambientais, especialmente, por que dessa idéia de inferiorização e subalternização da mulher ao homem e da natureza à cultura e à política emergiram relações de violência contra a mulher e de degradação da natureza.
A relação de semelhança mulher-natureza é percebida em vários campos. Há muitas concepções que toma a terra como divindade feminina, a deusa terra, a mãe terra. Também há religiões que cultuam a natureza, tomando-a como divindade feminina, marcada pelo poder da fertilidade, diferente do poder de comando.
Seja real ou ilusória a conexão mulher-natureza é produzida cultural e politicamente e o modo de justificar a inferiorização da mulher é naturalizar as diferenças utilizadas para colocá-la num patamar subalterno, ou seja, naturalizar o que foi culturalmente construído e com isso naturalizar a dominação, colocada como inevitável.
E dizer que se trata de um processo natural é considerar a natureza imutável, fazendo parecer que a natureza tem força própria independente do ser humano.
Por outro lado, o ser humano age como se fosse proprietário da natureza, por isso toma os elementos que compõem o meio ambiente como bens, como recursos naturais, cabendo a estes a condição de proprietários, podendo vender, trocar, comprar, deflorestar, secar suas águas, alterar suas condições climáticas.
Desse processo conclui-se que se a inferioridade da mulher faz parte da natureza é por que a natureza é dos proprietários com todos os poderes para produzir todas as alterações que julgarem necessárias.
Com essa contradição revela-se que a inferiorização da mulher é ação dos proprietários, ou seja, trata-se de uma ação política revestida de natural. Como já apontado, o efeito principal desse processo resulta em violência como expressão do poder de comando.
O pensamento que predomina no modelo social em que vivemos quebrou a relação de semelhança entre a mulher-deusa e a natureza, tornou deus masculino, substituiu o poder de dar vida pelo poder de comando, a idéia de ser parte da natureza pelo poder de explorar a natureza, e com isso instaurou a concepção de civilização do mundo através do domínio da natureza. É esse modelo que se encontra em crise na contemporaneidade.
Diante de tal crise, a saída seria voltar ao passado? Substituir o lugar de poder do homem pela mulher? Apenas abrir espaço no poder de comando para alocação do feminino?
Na forma atual de ver gênero e meio ambiente, o ideal de igualdade entre mulheres e homens é incapaz de enfrentar os problemas produzidos pela desigualdade entre homens e mulheres. O que seria igualdade então? Seria colocar natureza-mulher no lugar do homem-cultura?
Não se trata de uma mera substituição ou troca de lugares, visto que o negativo permaneceria: a concentração de poder, as relações de dominação. Na verdade, é algo mais complexo, talvez a necessidade mesmo de uma mudança do modelo de relação entre cultura e natureza e homem e mulher.
Acredito ser algo mais grave, talvez seja o caso mesmo de uma mudança na forma de pensar e de agir, como a que propõem entidades e movimentos sociais para o semiárido brasileiro, na proposta de convivência, que considere a experiência e o aprendizado do modelo em crise, não apenas que o refute, mas que também enfrente o desafio de tratar isso com o conjunto que convive com o desafio e que natureza e mulher não sejam tratadas apenas como vítimas, mas que haja proposições visando produzir entendimentos quanto à partilha de poder, bens e danos ambientais produzidos.
É a única forma de enfrentar um problema tão amplo e grave como esse: produzir opinião em homens e mulheres quanto à insustentabilidade desse modelo e quanto à necessidade de construção de outra forma de viver em que mulher e natureza não sejam subalternizadas, inferiorizadas, violentadas, como condução de via sustentável.
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[1] Texto produzido para a Semana da Solidariedade 2011 – Cáritas Brasileia.
[2] Doutora em Direito, Estado e Constituição – UnB; Mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente – UFPI; socióloga, advogada, professora adjunta da UFPI, departamento de ciências jurídicas e militante feminista da União das Mulheres Piauienses – UMP.