Agricultores/as experimentadores/as de todo o Semiárido se encontram em Aracaju. De 6 a 9 de junho, evento reúne cerca de 300 agricultores/as familiares de uma região transformada por políticas públicas que garantiram acesso a direitos fundamentais historicamente negados.
“Não só me considero agricultor, experimentador, como quilombola”, assegura com firmeza seu Arnaldo de Lima, que vive no sertão do Piauí, no município de Paquetá do Piauí, na comunidade quilombola Costaneira. E como é ser agricultor-experimentador-quilombola? “É defender a nossa cultura, valores. É guardar, multiplicar, repassar as sementes que há cento e tantos anos estão conosco.”
“Eu sou agricultora experimentadora com muito orgulho! Embora esteja meio triste porque, como não tivemos inverno esse ano, meu quintal não está com a riqueza que teve um dia. Mas estou lutando para que a riqueza volte”, diz sem titubear dona Antônia Antonieta Santana, assentada há 27 anos no Assentamento Tiracanga, no município de Chorozinho (Sertões do Canindé), no Ceará.
“Sou agricultora experimentadora sim. Quando participamos de um curso, vamos num intercâmbio, aprendemos algo e, quando chego em casa, vou logo experimentando”, assegura dona Cremilda Soares, mãe de três filhos, que vive na zona rural do município baiano de Anagé, na comunidade Bom Sucesso.
Na semana de 6 a 9 de junho, eles partem de seus lugares de origem para Sergipe, onde participam do IV Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores do Semiárido ao lado de cerca de 300 pessoas vindas dos nove estados do Nordeste e de Minas Gerais (Vale do Jequitinhonha e Norte), inseridos no mapa do Semiárido brasileiro, uma região que representa 18,2% do território nacional e abriga cerca de 12% da população.
O evento, organizado pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), vai debater questões relacionadas à vida do povo do Semiárido que, nos últimos 12 anos, mudou intensamente a partir da implementação de políticas públicas adequadas à realidade e necessidades das famílias que viviam em situação de pobreza e miséria.
Resultado da participação ativa da sociedade civil e compromisso dos governos de Dilma e Lula, tais políticas começaram a garantir direitos fundamentais a uma população invisibilizada como acesso à água, uma alimentação mais farta e diversificada, aumento da renda familiar, acesso a crédito, assessoria técnica agroecológica, entre outros. Com o governo provisório de Michel Temer, inúmeras destas políticas estão ameaçadas de cortes ou descontinuidade devido à medidas como a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Estes brasileiros e brasileiras do campo, que passaram a enfrentar os períodos naturais de estiagem com água estocada para beber, produzir alimentos e manter as criações e que deixaram de ter vergonha das suas sementes guardadas há gerações, vão discutir nestes três dias os desafios que se desenham a sua frente para viver com dignidade e proteger a biodiversidade.
“É uma satisfação muito grande receber pessoas de todo o Semiárido para celebrar conquistas, denunciar as mazelas e intercambiar as boas experiências. O momento que o país vive requer muitas reflexões para que a sociedade brasileira possa entender a gravidade da situação e os riscos que incorrem”, assegura o coordenador executivo da ASA pelo estado de Sergipe, João Alexandre de Freitas Neto.
Entre os temas presentes em todos os dias do evento estão as ameaças às sementes crioulas e estratégias de conservação; a assistência técnica agroecológica, que será debatida da perspectiva dos agricultores e agricultoras e também dos técnicos das organizações que formam a ASA; a produção das propriedades rurais; o papel das mulheres e dos jovens no espaço rural; o modo de vida das populações e povos tradicionais, entre outros temas.
O formato do encontro rompe com a estrutura de palestras, na qual o palestrante é o portador do conhecimento e a plateia é a receptora. Em todos os momentos, o saber tradicional e empírico dos agricultores e agricultoras é valorizado e somado ao saber técnico e científico. Uma das formas de promover a construção de conhecimento de agricultor para agricultor é a visita a propriedades rurais de Sergipe, um momento riquíssimo de trocas de conhecimentos, quando as famílias agricultoras testemunham de perto realidades parecidas com as suas, mas com especificidades naturais que surgem da influência do meio onde se encontram.
As visitas são o ponto alto do evento e vão dar o tom dos próximos momentos do encontro, uma vez que os participantes dos intercâmbios vão aprofundar suas observações das visitas de campo em oficinas temáticas, nas quais experiências de famílias agricultoras de outros estados também serão apresentadas.
“A cada encontro, a gente cresce no aprendizado, ganhamos força pra nossa caminhada e saímos com a missão de repassar o conhecimento para quem não tem o hábito de viver o coletivo, de preservar, de não deixar que as sementes transgênicas destruam as nossas sementes. A hora é agora. Porque daqui a pouco muitas comunidades não vão saber o que estão comendo e produzindo”, destaca seu Arnaldo.
As sementes têm um lugar especial neste grande encontro de agricultores e agricultoras experimentadoras de todo o Semiárido brasileiro. Uma feira, com produtos da agricultura familiar de todos os estados, vai funcionar no período da tarde do primeiro e terceiro dias e é aberta ao público em geral.
Na quarta-feira (8), nesta feira, haverá um momento para que as centenas de famílias agricultoras do Piauí a Minas Gerais troquem seus materiais genéticos. Assim, as sementes cultivadas no Vale do Jequitinhonha vão ser experimentadas por quem vive no território do Cariri paraibano. E as poucas sementes levadas para casa terminam sendo multiplicadas e, aos poucos, um estoque daquela semente vai sendo formado em outro lugar do Semiárido.
Essa ação de troca tem um valor grandioso para a conservação das sementes porque, ao serem plantadas em lugares diversos, passam por transformações naturais na sua genética que a protegem do desaparecimento. Ampliando cada vez mais a riqueza alimentar não só das comunidades de agricultores, mas de toda a humanidade, que vive um momento de forte erosão genética dos alimentos. Essa perda tem como um dos principais motivos o desenvolvimento de sementes padronizadas e transgênicas que servem ao modelo do agronegócio, pautado no monocultivo de latifúndios e uso intenso de venenos que poluem todo o ecossistema – ar, água, solo – além de adoecer e matar pessoas que vivem próximos aos lugares de plantios e trabalham manejando-os.
O que é ser agricultor/a experimentador/a?
Seu Arnaldo, dona Antonieta e dona Cremilda vivem no Brasil rural experimentando formas de plantar, de render a água acumulada das chuvas, de tornar o solo mais fértil e a ração animal mais nutritiva, de multiplicar e guardar as sementes crioulas. São como cientistas empíricos que, a partir de sua observação da natureza, seguem testando formas de convívio com o clima Semiárido. Algumas destas experimentações foram sistematizadas e serviram de inspiração para a construção de políticas públicas para a convivência com o Semiárido.
E, como agricultores e agricultoras, os três se dedicam a uma das principais vocações da agricultura familiar: cultivam alimentos que enchem 70% dos pratos dos brasileiros e brasileiras. E mais, os alimentos produzidos pelos três não têm um pingo de veneno. Como diz dona Antonieta: “Amo o que faço, a terra que vivo e trabalho. Valorizo cada planta que cultivo sem o uso de agrotóxico. E o que aprendo não gosto que fique só comigo. Acho legal repassar para quem não teve oportunidades de participar dos encontros, dos cursos...”
Uma das missões especiais dos/as agricultores/as experimentadores/as é a conservação e multiplicação das diversas sementes crioulas. “Quem é da cidade, vai para feira e escolhe o feijão pela qualidade e boniteza. Já a nossa ligação com o feijão é pela família, pelo meu avô que guardava o feijão pra plantar. A nossa relação com as sementes é para não perder a memória de nossos antepassados, a nossa história. A gente se sente energizado a partir deste contato, desta relação de respeito”, conta Arnaldo.
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Postado por:
Fabiano Cordeiro César