Feminismo camponês vem se constituindo um movimento de luta e resistência das mulheres do semiárido brasileiro. Não se trata de um Feminismo conceitual, mas sim de um movimento vivido por diversas mulheres. Para saber mais sobre o tema confiram a entrevista que realizamos com duas agricultoras do semiárido Paraibano.
Por Fabiano C. César
O IX EnconASA, Encontro Nacional da Articulação do Semiárido Brasileiro, que aconteceu entre os dias 21 e 25 de novembro de 2016 em Mossoró – RN, foi fortemente marcado pela pauta do feminismo. As mulheres do semiárido brasileiro marcaram presença com seus anúncios e denúncias. O grito de ordem que ecoou durante o encontro bradava: Sem feminismo não há Agroecologia! Mas o que seria esse feminismo camponês? Que ações, movimentos e práticas ele vem construindo no semiárido brasileiro? Para conhecer mais sobre esse tema entrevistamos duas mulheres agricultoras, Maria Gizelda Beserra Lopes, sindicalista do Polo da Borborema – Paraiba e Maria Madalena de Medeiros, Grupo de trabalho de Mulheres da ASA Paraíba.
ASA Minas: O que é Feminismo Camponês?
Maria Gizelda Bessera Lopes: primeiro é as mulheres camponesas terem oportunidade de ensinarem o que elas sabem, de trocarem experiências e conhecimento, e terem visibilidade na agricultura familiar agroecológica. É o reconhecimento pela sociedade do papel que as mulheres sempre tiveram na agricultura familiar, na diversificação e seleção das sementes, das pequenas criações, do papel de multiplicar o conhecimento sobre as plantas medicinais, isso tudo é muito forte na vida da mulher camponesa.
Esses conhecimentos vão empoderando as mulheres, principalmente quando elas os aprimoram nos espaços coletivos, de experimentação e gestão coletiva. Nesses espaços elas começam a entender que é preciso desconstruir na sua própria família as várias formas de machismo que enfrentam.
Pelo reconhecimento da desigualdade elas começam a enfrentar esse desafio, em casa, na família e nos espaços coletivos, que ainda têm muito homem machista. A mulher ter autonomia, liberdade de fazer o que ela quer, de se expressar da forma que ela quer, de poder se casar, e o seu companheiro entender que ela não é empregada dele, que ela pode trabalhar na agricultura onde ela quiser, que ela pode se arrumar e ter seus momentos de lazer e reconstruir sua história dentro da sua família e na sociedade. O feminismo camponês é isso, é a mulher ter a liberdade de reeducar seus filhos com esse mesmo feminismo, por que o feminismo quer dizer igualdade de direitos entre homens e mulheres. A gente tem que reconstruir uma nova história, e ela tem que ser feita com nossos filhos e a nova geração. A agroecologia trouxe isso para a vida das mulheres camponesas. Precisamos reconhecer nossas capacidades e também reconstruir um diálogo na família, acabando com esse machismo. Inclusive na própria agricultura familiar tem um mito: a mulher trabalha no roçado, contribui com todo o processo e o companheiro diz que ela ajuda, sendo que ela faz o mesmo trabalho: cava terra, planta feijão, cuida do gado, cava lerão, eu cavo lerão e muita gente não acredita que eu faço agricultura, porque eu sou uma mulher camponesa, diretora do sindicato e uso batom e faço minha unha. Minha família sempre viveu na roça, na agricultura familiar. O feminismo prega isso: a liberdade, a autonomia e viver bem no lugar onde mora.
Maria Madalena de Medeiros: O feminismo camponês é um movimento que busca romper com as relações de poder dos homens sobre as mulheres. O que sempre foi muito forte no campo, o que invisibilizou o trabalho das mulheres com relação ao conhecimento tradicional que ela tem. O manejo da agrobiodiversidade é um exemplo. Esse movimento está fortemente associado a outros movimentos de soberania alimentar e nutricional, do direito humano à alimentação, por que reconhecer e superar as relações de desigualdade dos homens sobre as mulheres é, sobretudo um movimento em defesa dos direitos humanos das mulheres, o que ao longo do tempo vem sendo marginalizado. Antes desse novo paradigma de convivência com o semiárido surgir, as mulheres tinham seus trabalhos nos quintais de manejo da agrobiodiversidade invisibilizados. Ele só veio a ganhar visibilidade com o novo paradigma de convivência com o semiárido. Rompemos com o paradigma de combate à seca para trazer o de convivência que trás como modelo a agroecologia. E nós mulheres estamos dizendo, em alto e bom tom: agroecologia não é só seguir um principio ambiental, mas é, sobretudo, ter as dimensões dos direitos humanos à alimentação adequada presentes e o princípio social, ou seja, onde houver exploração, dominação e relações de poder inviabilizando as mulheres, não pode existir agroecologia. Agroecologia pressupõe que não há exploração de mulheres, nem dos negros, nem dos povos indígenas e dos segmentos LGBTS. Não basta estar livre dos transgênicos e dos agrotóxicos. É preciso que esteja limpo das relações exploratórias de poder. Sem essa dimensão não há agroecologia. Por isso vivemos um momento de transição agroecológica, por que os direitos das mulheres ainda não são respeitados. É preciso a superação de todas as formas de poder e violência que os homens têm sobre as mulheres para vivermos de fato a agroecologia e uma sociedade mais justa e igualitária. O feminismo camponês vem trazer isso: sem o direito das mulheres e o respeito é impossível se viver a agroecologia.
ASA Minas: Como os cursos em Agroecologia da ASA tem contribuído para o feminismo camponês?
Maria Gizelda Bessera Lopes: As experiências agroecológicas estão cada vez mais se expandido na vida das famílias e em especial na vida das mulheres. Acontece que as mulheres têm seu quintal diversificado, com bastante tecnologias de convivência com o semiárido, mas continuam apanhando dos maridos e sendo presas dentro de casa. Assim não adianta. Então a partir dos cursos, experiências agroecológicas e dos processos formativos, começamos a fazer momentos de formação somente com as mulheres, onde realizamos rodas de conversas com as agricultoras e elas vão contando suas histórias de superação e também de enfrentamento contra a violência. Hoje, no Polo do Borborema, estamos na edição da sétima marcha pela vida das mulheres e pela agroecologia, esse ano teve mais de cinco mil mulheres na marcha que fazem direta e indiretamente parte do processo de formação, e está associado ao projeto de convivência com o semiárido.
E assim, é muito forte o fato de que as mulheres estavam invisíveis no trabalho que elas faziam, ela têm todo o papel de processamento dos produtos, de diversificação da produção, de cuidar dos filhos, ou seja, uma sobrecarga grande. Os intercâmbios, as oficinas, os encontros da ASA Paraíba e Brasil, são momentos coletivos em que vamos cada vez mais nos fortalecendo como mulher feminista. Então pra mim feminismo é isso: transformar primeiro Eu como mulher, agricultora camponesa, me reconhecer como importante para minha família e para agricultura familiar com base na agroecologia. É contribuir nos processos coletivos e de gestão publica fortalece o que estou fazendo, o feminismo na minha família e na minha comunidade.
Maria Madalena de Medeiros: o feminismo camponês não pode estar dissociado da auto-organização das mulheres, da autonomia dos povos, da soberania alimentar, dos direitos humanos e da economia solidária. Ele necessita estar associado à economia solidária, porque o capitalismo é um sistema que está baseado nas relações desiguais. Por isso o feminismo camponês tem que estar associado à agroecologia e à economia solidária, que têm na autogestão, o respeito à democracia e às relações iguais, e o direito de todos decidirem. Sem esses modelos e sem essas referências e princípios, não podemos vivenciar e avançar na construção do feminismo camponês. Ele é necessário para superação das desigualdades entre homens e mulheres e na construção de um outro mundo, mais justo e solidário.
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