- Ah, eu era límpida, transparente, grandiosa. Não tinha nem um sabor que fosse igual ao meu. Poderosa e forte, meiga e simples. Saciava a sede, limpava a sujeira, cozinhava alimentos. Tinha grande alegria de ser via de transporte. Acolhia em meu seio, todos que quisessem desfrutar de tudo que eu sou. Você não está vendo?
Em meus caminhos, alimentei matas ciliares, minhas grandes favoritas. Nas minhas conchas, peixes de infinitas variedades gozava de minha vida e vigor. Eu tinha voz e harmonia e cantava por entre as pedras. Tinha formato, pois ao andar e correr por entre as pedras, minhas moléculas formava verdadeiros mantos que como noiva caminhava para o mar, meu destino.
Veja o que fizeram comigo! Desviaram meu curso. Em muitos lugares não me contive, fui obrigada a matar e a morrer. Veja as represas! Hoje quando querem saciar a sede, dizem: Que água esquisita! Que gosto é esse?
Quando querem limpar, dizem: Esta água esta igual ou pior do que a sujeira! Eu que tinha quantidade suficiente para tudo e para todos. Hoje só chego encanada, no carro pipa já morta e sem vigor. Em outros lugares já estou me despedindo, já em agonia nas cacimbas. Tudo que o ser humano rejeita joga no meu caminho. Estou fraca de tanto andar, desviando dos rejeitos: objetos descartáveis, animal morto, restos de tudo. Meu criador deu-me a fórmula H²O. Hoje não tenho identidade. Meu criador disse, onde você estiver terá sempre vida, muita vida. Hoje estou sem movimento, contaminada e sou elemento de morte. Não posso caminhar entre as pedras e formar o coral tão meu, por entre alturas e profundidades. Acolher todos que me quisessem encontrar e saciar alguma forma.
Rolando pelas alturas, formava os mais belos cenários. Juntava a minha voz às dos grilos e dos sapos, entre outros, formava a serenata para os meus irmãos, os pescadores, que noite adentro ia buscar em meu regaço seu sustento.
No início do dia, quando a noite recolhia e o sal com seu rosto brilhante vinha beijar minha face e o criador via que estava tudo perfeito. Quem nos via, nada restava a não ser. A não ser o criador fez tudo muito lindo.
Hoje são poucos os momentos de vida que eu tenho. Resta-me a dor, o choro e o soluço pelo que me fizeram. Não tenho forças para gritar e aceito a morte em silencio. É uma dor dupla. Comigo vai a vida embora.
Socorro, socorro, socorro...
Do seio da terra em contemplação das atividades do capitalismo globalizado.
*Amônica Porcina de Barros, mais conhecida como Irmã Mônica é religiosa da Congregação Filhas de Jesus. É fundadora da Associação Casa de Ervas Barranco de Esperança e Vida - Acebev, onde trabalha até hoje. A Acebev faz parte da Articulação no Semiárido Mineiro e Brasileiro, sendo a Irmã Mônica uma grande lutadora para transformar o semiárido, segundo ela, em semiúmido a partir de nossas práticas!